Ele coloca qualquer coisa de bonito pra gente ouvir. Chico Buarque, talvez… não me lembro bem. Deito-me no sofá e sinto o cheiro de mijo de cachorro. Está por todo lado… seis cães, infinitos pêlos, saliva, mijo amarelo, bosta ressecada no piso de concreto do jardim. Levanto-me. A cadela acaba de cagar em meio as outras bostas ressecadas – mas esta ainda fresca e marrom brilha sob o sol do meio dia. Ela se afasta e mija. O macho vem atrás e mija em cima. Ele volta para o seu canto com cara de tédio enquanto a fêmea passeia com uma bolinha de tênis mal cheirosa e grudenta na boca. Pego a bolinha e jogo longe. Minha mão agora fede. A cachorra agora corre. O cachorro agora bufa. Você agora assiste tv. O agora são densos cheiros de animais e tédios.
Esse chão de carpete de madeira fede mijo. É madeira. Madeira é foda.
Tudo bem, deixa essa coisa de amar de lado, vamos ver um filme. Duas horas e meia de filme e eu ansiosa pra te amar.
O filme acaba, o tempo passa, a televisão enche o saco, os cachorros dormem, a bosta fresca e marrom agora está dura e preta, o sol já foi embora, e não esquenta mais o mijo até que ele evapore para minhas narinas.Coloco um colchonete minúsculo no chão e fico esperando você notar meu ferormônio. Meu denso e alado ferormônio.
Meus cabelos de cachos caem sobre meus olhos e eu te olho… deixo meus seios escaparem de minha blusa sem querer. E você sem querer me sorri e aperta os lábios inferiores com os dentes. Vejo que seu incubado calado colado se desentocar para a dança da chuva. Vem, meu querido, que também somos índios!
Ele se deita sobre as minhas costas. Gosto de sentir seu peso nos meus ombros, sua respiração nas minhas orelhas cada vez mais rápidas e angustiadas. Sinto seu cheiro – seu cheiro.
E no meio do seu cheiro vem-me um outro cheiro. Olho para baixo e lá está o chão, grudado ao pequeno colchonete. O chão de madeira amaciado por anos e anos de mijo. Maldito chão! Olho fixamente para ele como quem encara com raiva o vaso sanitário entupido de merda. Maldito chão de madeira mijado!
Desisto… vamos pra cama!
- A cama também não é grande coisa.
- Pelo menos não fico de cara no mijo!
Deito-me na cama e logo levanto. Avisto um espelho enorme e decido colocá-lo na nossa frente. Gosto de ver a gente fazendo amor. E também me envaidece um pouco, não posso negar.
Você coloca a mão nos meus quadris despidos. Gosto de sentir seus dedos- seus criativos dedos- escorregando pelos meus quadris até alcançar meus pêlos, como se ali me moldasse um delicado presente.
Estou de frente para o espelho. Você atrás de mim. Gosto de sentir a sua pele – a sua pele. Do quadril para baixo estou nua. Você delicadamente coloca seu dedo indicador no meu decote e alcança meu. Então acomoda vagarosamente toda a sua mão ao redor do meio seio direito e aperta com força. Geme de prazer e me despe de imediato. Rápido e certeiro.
Agarro o travesseiro e de novo me vem o pesadelo. Um cheiro de mijo de cachorro banha a fronha na qual deposito meus prazerosos gemidos. Mas dessa vez já não me importo. Você dentro de mim, e um mijo de cachorro na minha cara. Inalo sem querer um pêlo de cachorro enquanto respiro forte. Mas tudo bem. Nessas horas a gente não liga pra nada mesmo. Forço a garganta e tento cuspir fora feito catarro. Não dá certo… melhor engolir de uma vez.
- Por que seu pai tem tanto cachorro?! Cacete! – cansei de indagar. Mas aquele não era um bom momento, então calei-me.
A posição te excita, você goza rápido. Eu tô menstruada e fico louca pra trepar. Choro de prazer contido. Quero mais, mas acabou por hoje. Eu te amo mesmo assim. Você me ama mesmo assim.
- Vou tomar um banho.
A água vem quente, e leva junto o seu esperma grosso e muito branco, onde estão boiando alguns pêlos. Não pêlos pubianos. Pêlos de cachorro, que outrora estavam grudados no meu corpo suado.
Olho para o lado esquerdo e vejo uma lacraia de tamanho jamais notificado pela biologia. Fico com nojo. Arrasto a bicha com o rodo até que ela caia no ralo junto com a água, o esperma, os pêlos e o meu endométrio cheio de sangue.
Depois do banho fico bem. Arrumo um lugar limpo pra sentar, tenho cheirinho de sabonete. Ele me olha e diz que me ama.
- Te amo também. Vamos fazer um sanduíche, tenho fome!
Queria queijo, mas tinha um pêlo no queijo… e no requeijão, e no peito de peru também. Tudo bem, como pão com maionese.
Fuço o pão e a maionese de todos os ângulos. Ok, passaram pela inspeção. Nenhum pêlo. Jesus, pensei que fosse passar fome.
- Ah, vamos dormir!
Durmo meio atrofiada e engasgada com alguns micropêlos em minha garganta, ou com alguma neurose pertinente que me acometeu a sanidade.
No dia seguinte não esqueço minha pílula anticoncepcional. Hipoteticamente aborto nosso bebê fantasma (que talvez até tivesse traços caninos).
Você me pede desculpas pelo desconforto e eu respondo:
- Tudo bem querido, a vida tem dessas coisas. Príncipe encantado e palácio de cristal só existem em livros de fantasia para iludir meninas. Eu te amo mesmo assim.
E amo mesmo.
Nota: Conheço esse textículo há bastante tempo, pelo menos desde que ele foi postado no blog de Fernanda, Animal Sentimental. Segue o link deste texto aqui postado pra quem ficar afim de dar uma olhada no que ela escreve: http://animalsentimental.wordpress.com/2009/10/06/desventuras-amorosas/